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Mesa Redonda “Novos desafios da agenda de Reforma Urbana no Brasil”

23/05/2023

No dia 23 de maio, às 8h30, ocorreu, no âmbito do XX ENANPUR, a mesa redonda “Novos desafios da agenda de Reforma Urbana no Brasil“, com a participação de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (IPPUR-UFRJ), Ermínia Maricato (BrCidades) e Livia Miranda (UFCG), além da mediação de Juliano Ximenes Ponte (PPGAU-UFPA).

O objetivo da mesa foi contribuir para os processos de reconstrução e transformação estrutural da vida urbana nas cidades. Diante do contexto de crise urbana multidimensional, agenda neoliberal e rentismo-extrativista que promovem a mercantilização excludente das cidades brasileiras, reverter as históricas e dominantes desigualdades e injustiças socioespaciais, a partir do compromisso com transformações estruturais se torna o principal desafio da Reforma Urbana.

A mesa também ocorre no contexto do Seminário “O povo, sua casa, sua cidade: 60 anos de luta por Habitação e Reforma Urbana“, que será realizado de 21 a 24 de outubro, em São Paulo. A iniciativa está com chamamento de adesão aberto, confira.

A seguir, confira os principais pontos da mesa:

Com o tema “A nova urbanização dependente: a quem interessa a reforma urbana”, a apresentação de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro abordou inicialmente os três elementos que evidenciam a crise societária e civilizatória do país: o colapso do sistema de mobilidade urbana, os ciclos dos desastres socioambientais e a dominação dos territórios pelos mercados criminosos. Na sequência, o pesquisador colocou importantes indagações, como: por que esse tema não mobiliza a agenda pública? A quem interessa um projeto de reforma urbana e do direito à cidade? Quem seriam os atores que poderiam assumir a iniciativa e se tornarem sujeitos nesse processo? A partir disso, ele aponta para a necessidade de reconstrução do entendimento da questão urbana, pois a forma de pensar ainda se fundamenta na conexão do urbano e regional com o capitalismo industrial, com o modelo de desenvolvimento industrial. Ribeiro resgatou o pensamento de Chico de Oliveira e sua concepção de que o urbano enquanto antinação, cujos problemas não são possíveis de serem solucionados diante da captura do Estado pela burguesia, que recorre ao Estado para garantir a sua reprodução ignorando qualquer necessidade de reprodução da vida pela população. Segundo Ribeiro, o capitalismo se transformou em um capitalismo de plataforma e a economia nacional se tornou um conjunto de mecanismos de rendas a ser capturada e enviada ao exterior. A burguesia, ligada ao capitalismo dependente anteriormente, agora faz conexão com o capitalismo global cada vez mais na sua versão rentista e extrativista. Ribeiro então enumera três consequências dessa conjuntura. A primeira é que não interessa a essa burguesia as questões relacionadas ao urbano, pois seu objetivo é apenas usar o Estado para viabilizar suas rendas. Segundo, o atual capitalismo ganha características muito mais radicalizadas, colocando em confronto o padrão de acumulação instaurado e as necessidades da sociedade. Por fim, a terceira consequência é a natureza limitada e subordinada da burguesia. A solução, segundo ele, só ocorrerá através da radicalização da democracia, arregimentando os grupos sofredores desse processo atual em torno de um projeto novo de sociedade e civilização. Ribeiro finalizou afirmando que o projeto da reforma urbana tem o poder de se construir em torno desse projeto.

Na sequência, Erminia Maricato usou o mito de Sísifo como metáfora para as discussões sobre o planejamento urbano, argumentando que não é possível regular a cidade brasileira com Plano Diretor. Sobre a conjuntura nacional e internacional, Maricato afirmou que vivemos um momento dramático, marcado pela revolução tecnológica que incide sobre a questão da subjetividade, como o individualismo que atinge, inclusive, a universidade. Para refletir sobre essas contradições tão evidentes de nossa sociedade, a arquiteta e urbanista resgatou brevemente os interpretes do Brasil para criticar a ausência de soluções e ideias práticas, em contraponto ao excesso de reflexões teóricas a respeito dos rumos do Brasil. Sobre o Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963, cujo a celebração dos 60 anos inspiram a promoção de um novo evento sobre o tema a ocorre em outubro, Maricato destacou que a iniciativa colocou a questão urbana na agenda política nacional. O Seminário de 63 teve como fundamento a questão fundiária, influenciendo o próprio regime militar a incoporar algumas das questões debatidas, como os planos diretores da época, a CMPU e o CNDU, o BNH e o SFH. Esse resgate histórico, segundo ela, é importante para recuperar a memória e ilustrar o caminho já percorrido. Outro importante ponto relembrado por Maricato foram as prefeituras democráticas, com as iniciativas de orçamento participativo, urbanização de favelas, gestão das áreas de risco, que geraram um grande conhecimento técnico, inclusive exportado para outros países, mas que desaparecem no país. A arquiteta e urbanista encerrou a sua fala argumentando que é necessário disputar narrativas, espaços na imprensa hegemônica, para assim construir um novo ciclo democrático.

Na última apresentação, Lívia Miranda abordou os novos desafios para a agenda da reforma urbana. Ela destacou a importância da inclusão das especificidades e diferenças na construção do projeto da reforma urbana. Segundo Miranda, um dos desafios se refere ao território: nossa rede urbana é diversa e, portanto, nossa política de desenvolvimento urbano deve respeitar essa diversidade. O conjunto de políticas públicas a ser implementado precisa se articular no território, tanto urbano quanto o rural, já que existem diversas vidas urbanas que estão na cidade. Sobre a questão tecnológica, mencionada por Ribeiro e Maricato, ela argumenta que o rebatimento na cidade é que a metrópole se expressa para além dos seus limites territoriais, implicando em um novo entendimento da rede urbana brasileira. Um outro desafio elencado foi a construção de um país em cima de uma imensa desigualdade, tanto regional quanto intraurbana. Segundo ela, a nova agenda da reforma urbana deve considerar essas desigualdades, permeadas atualmente pelas mudanças climáticas – questões estas que não podem ofuscar o modelo excludente de desenvolvimento que o país reproduz. Para reverter isso e construir esse compromisso com mudanças estruturadoras, Miranda argumenta que é necessário construir um projeto produtivo que se conecte com as riquezas dos territórios. Precisamos também, afirma, valorizar a grande potência dos nossos territórios, que criativamente encontram soluções para seus problemas não resolvidos pelo Estado. No encerramento de sua apresentação, a pesquisadora destacou o desafio de promover a agenda de políticas urbanas redistributivas e ambientalmente justas, mas sem abrir mão da democratização radical sobre os rumos da urbanização e também do fomento de iniciativas urbanas criativas e transformadoras. Nesse sentido, é fundamental a construção de uma plataforma urbana que articule a reconstrução do Estado, a radicalização da democratização das decisões e o enfrentamento das desigualdades estruturais nas cidades brasileiras.