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Sessão Especial “Morar e Viver em Tempos de Reconstrução”

23/05/2023

No dia 23 de maio, às 10h30, ocorreu, no âmbito do XX ENANPUR, a Sessão Especial “Morar e Viver em Tempos de Reconstrução”, com a participação de Erminia Maricato (BrCidades), Evaniza Rodrigues (UMM e UNMP) e Sara Raquel Fernandes Queiroz de Medeiros (UFRN), além da moderação de Camila D’Ottaviano (FAUUSP), presidente da ANPUR.

O objetivo foi discutir as conquistas, os desafios e os caminhos possíveis para as políticas habitacionais e urbanas diante do atual momento de reconstrução e reorganização das políticas e programas públicos, em especial com a recriação do Ministério das Cidades.

Foto: Luca Porpino (UFPA).

A seguir, confira os principais pontos do debate:

Iniciando a mesa, a apresentação de Sara de Medeiros teve como título “Construindo lugares e (re)pensando políticas”. A partir dos resultados de suas pesquisas na Região Metropolitana de Natal, a pesquisadora destacou os problemas centrais identificados nos conjuntos habitacionais: a qualidade dos projetos, a sua inserção urbana e os problemas que vão além da unidade habitacional, como o asfalto e as calçadas. Segundo a pesquisadora, diante desses problemas a população elabora estratégias para sobreviver, construindo puxadinhos, fazendo modificações para uso misto dos imóveis, exercendo atividades que são fundamentais para alimentar outros circuitos, como, por exemplo, o conserto de bicicletas e motos. Outro desfecho dos problemas nos conjuntos habitacionais é a questão do abandono e da comercialização desses imóveis, identificados a partir de um canal de denúncia da própria Caixa Econômica e também através de monitoramento de plataformas de anúncio online. Para Sara, essas consequências decorrem, em grande parte, da forma como a política é construída, observando-se uma sobreposição de desvantagens que reproduzem a desigualdade já tão marcante do nosso contexto social. Segundo a pesquisadora, a política habitacional não pode ser homogênea, é necessário considerar especificidades locais e também o alinhamento com políticas setoriais.

Na sequência, Evaniza Rodrigues refletiu sobre as novas possibilidade diante da emergência habitacional que atinge o país, inspirada pelo sentido da palavra “reconstrução” que compõe o título da sessão. Para Evaniza, neste novo cenário é importante reconhecer as redes que emergiram no cenário de total estagnação das políticas no governo Bolsonaro. O fortalecimento da luta por direitos se reascendeu diante do combate ao fascismo e das questões decorrentes, como o racismo, o machismo e o negacionismo climático/ambiental. Rodrigues destacou, no entanto, que a conjuntura segue desafiadora, especialmente diante da ausência de participação sobre questões urbanas no atual governo. A principal novidade foi a construção da Secretaria Nacional de Periferias, que visibiliza a ideia de periferias e lança luz sobre uma questão que costumava ser pouco abordada. Outra iniciativa foi a retomada do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), que na sua Medida Provisória traz inovações, como a questão da locação social e da população em situação de rua. Evaniza, no entanto, chama a atenção para os “vícios de origem” decorrentes da versão anterior do programa, como foco na produção de novas moradias e o consequente protagonismo da indústria de construção. Algumas ações foram propostas no sentido amenizar os problemas anteriores, como o menor tamanho dos conjuntos habitacionais e das quadras, porém, tratam-se de soluções insuficientes para contornar os “vícios de origem” da versão anterior. Sobre o PMCMV Entidades, Evaniza defende que a sua retomada inspire todo o programa no sentido da construção da sociabilidade dos novos habitantes, no acompanhamento das famílias, no trabalho social, contribuindo também para o fortalecimento da ideia de que a política habitacional deve ser vista como um processo e não como algo pontual. Entretanto, mesmo com as experiências bem-sucedidas da versão anterior, não há uma instância formal de participação para os que movimentos que defendem o PMCMV Entidades – no momento, foram anunciados dois grupos de trabalho (um rural e um urbano) para discutir as regras do programa. Nesse sentido, Evaniza defende a ampliação do subprograma no Faixa 1, argumentando que existe a mobilização de diversas iniciativas que se organizam para atuar no território, a exemplo das iniciativas do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) na frente de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS). A autohabitação também foi citada em sua fala, ao comentar sobre a retomada do projeto de lei que regulamenta a autohabitação e que traz conceitos oriundos de uma luta de mais de 30 anos, como a ideia de moradia cooperativa e coletiva. Finalizando sua apresentação, Rodrigues destacou, mais uma vez, a importância da valorização e manutenção dos diversos coletivos que atuam nas cidades: essa mobilização é fundamental para a luta por moradia.

A última intervenção da mesa foi de Erminia Maricato, que iniciou abordando o Seminário de Habitação e Reforma Urbana de 1963, marco fundador da reforma urbana no Brasil. Segundo ela, desde essa época se faz presente a questão do nó da terra e o combate as desigualdades no Brasil territorial. O enfrentamento desses problemas, de acordo com Maricato, não se resolve apenas com a questão regulatória, como leis e planos diretores. Diante da conjuntura complexa, com os novos paradigmas que emergem, como a tecnologia e capitalismo financeirizado, se faz necessário o que chamou de “soluções na base da guerrilha”, que trabalhem pontualmente mas de forma estratégica iniciativas próximas ao território, com ações do poder local, como as desenvolvidas no âmbito das prefeituras democráticas. Para Erminia, o ciclo recente de investimentos na questão habitacional se assemelha ao implementado na época da ditadura, pois reproduz o protagonismo das empresas da construção civil, além da arquitetura questionável em termos dos projetos e do não enfrentamento da questão do nó da terra – seja no BNH ou no PMCMV, a cidade está mais dispersa e mais verticalizada. Em termos de propostas, a arquiteta e urbanista defende que o Plano Diretor seja, na verdade, um plano de ação para orientar o investimento público. De acordo com ela, é necessário lutar por prioridade de investimento utilizando, por exemplo, indicadores socioambientais dos territórios como critério de distribuição desses recursos. Estão em andamento algumas mudanças de paradigma que segundo Maricato podem contribuir para essa mudança, como a questão da política de extensão universitária, que determina que 10% do tempo do aluno na universidade seja direcionado para atividades de extensão, e a aprovação da lei da Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social (ATHIS), que garante que famílias com renda de até três salários mínimos recebam assistência técnica pública e gratuita para a elaboração de projetos. Erminia encerrou a sua fala afirmando que a disputa de narrativa também é fundamental para a aplicação de “guerra de guerrilhas”, com a questão da comunicação sendo trabalhada a partir de marcas de governo, enfatizando a capacidade dessas iniciativas locais em contribuírem para o desenvolvimento do país, especialmente os projetos de equipamentos públicos voltados para a infância e adolescência, como os Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs).

Na parte final, a presidente da ANPUR, Camila D’Ottaviano destacou a ideia central da mesa, expressa em seu título, sobre uma reconstrução pensada a partir do acúmulo anterior, das bases históricas que podem contribuir com o momento atual. D’Ottaviano fez algumas observações considerando as apresentações das convidadas, como a questão do apagão de dados, que, segundo ela, dificulta o diagnóstico sobre como as pessoas estão realmente vivendo. Outro ponto destacado foram as conquistas do ciclo anterior que deveriam ser objeto de novas reinvindicações, como o percentual do orçamento destinado ao Faixa 1 e a questão do subsídio para as contratações. Sobre o PMCMV Entidades, D’Ottaviano argumenta que os empreendimentos resultam de luta e intensa mobilização dos movimentos, gerando processos completamente diferentes da versão principal do PMCMV, e por isso devem ser mantidos e ampliados, a partir de um percentual maior do orçamento destinado ao subprograma. A presidente da ANPUR finalizou afirmando que essas conquistas ressaltam a importância da parceria entre os movimentos de moradia e a assessoria técnica, que não deve se limitar apenas à obra, mas incorporar também a questão social e jurídica.

Foto: Luca Porpino (UFPA).

Foto: Luca Porpino (UFPA).