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Prorrogada a chamada para o dossiê “A ‘poli-periferia’ e o ‘giro periférico’ nos estudos urbanos”

25/03/2024

Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (RBEUR) prorrogou a chamada de artigos para o dossiê “A ‘poli-periferia’ e o ‘giro periférico’ nos estudos urbanos”. A nova data limite para submissão é até 30 de abril de 2024.

Organizado por Matthew A. Richmond (Universidade de Newcastle), Patrícia Maria de Jesus (Universidade Federal do ABC) e Jean Legroux (Universidade Estadual Paulista), o dossiê tem por objetivo interrogar e debater, tanto no Brasil quanto fora dele, as dimensões e os limites (1) da heterogeneidade das periferias urbanas e da validade da noção de “poli-periferia”; e (2) do “giro periférico” na pesquisa urbana. Serão bem-vindas submissões que articulem essas duas proposições de forma teórica e/ou empírica. No caso de contribuições empíricas, é essencial que os textos dialoguem com esses argumentos buscando apresentar achados amplos e que não sejam apenas casos de estudos realizados em áreas periféricas.

Colegas de diversas disciplinas com interesse na temática do dossiê são convidados a submeter artigos originais que considerem os temas e abordagens indicados na chamada. Os textos podem ser escritos em português, espanhol e inglês.

Os artigos que não dialogam com a chamada devem ser submetidos no fluxo contínuo da RBEUR, que seguirá recebendo contribuições. Para mais informações, acesse: rbeur.anpur.org.br/rbeur/announcement

Chamada para o Dossiê: A ‘poli-periferia’ e o ‘giro periférico’ nos estudos urbanos
Coordenação: Matthew A. Richmond (Universidade de Newcastle), Patrícia Maria de Jesus (Universidade Federal do ABC) e Jean Legroux (Universidade Estadual Paulista)

A partir de meados do século XX, as periferias urbanas latino-americanas, e de outras regiões do Sul Global, chegaram a ser vistas como espaços de miséria e de ausência total do Estado: como contêineres urbanos de uma “humanidade excedente” (Davis, 2006). Longe de apresentar essa homogeneidade imaginada, as periferias hoje em dia evidenciam uma crescente diversificação e complexificação em termos de paisagem, tipos de moradia, cultura e identidades, política, práticas, experiências e representações espaciais. Em muitas periferias urbanas, a tendência aponta para uma consolidação física incremental com a chegada (em ritmo e qualidade muito variados) de infraestruturas urbanas, serviços e equipamentos públicos e privados (Caldeira, 2017). Além disso, muitos argumentam que o modelo centro-periferia em si está se reconfigurando com uma lógica urbana fragmentária em curso (Navez-Bouchanine, 2002; Prévôt-Schapira, 2001), fazendo com que esse modelo fique cada vez mais “obsoleto” enquanto prisma analítico do urbano (Dumont, 2017).

No contexto dessas mudanças, um dos pressupostos atuais não é aquele da homogeneidade socioespacial dessas áreas, mas da sua heterogeneidade, que, somada à complexificação e às rápidas mudanças nos territórios periféricos, trazem à tona a discussão em torno da ideia de “poli-periferia”.

Na América Latina, essa mudança não é mera coincidência, nem modismo acadêmico; reflete transformações históricas reais desde a redemocratização de vários de seus países nas décadas de 1980 e 1990; e principalmente, com o forte crescimento econômico e a ascendência de governos progressistas na região nos anos 2000 e no começo dos anos 2010.

Essas condições levaram a uma expansão acelerada de políticas sociais e do aumento de consumo entre as classes populares, com impactos visíveis nas periferias urbanas. Enquanto isso, governos nacionais e locais e atores imobiliários desenvolveram projetos urbanos voltados para as periferias, produzindo novas infraestruturas residenciais, de transporte e de consumo. Esses impactos foram social e espacialmente desiguais. Enquanto espaços residenciais fechados de alto padrão começaram a surgir em áreas tradicionalmente pobres em escala muito maior (Romo, 2015), as periferias também acolhem empreendimentos habitacionais voltados para diferentes segmentos sociais e de renda, construídos pelo setor privado ou por programas habitacionais populares, e frequentemente por ambos conjuntamente (Corrêa & Barros, 2021).

Ao mesmo tempo, “híper-periferias” Torres & Marques (2001) ou “periferias da periferia” Cruz & Legroux (2023), assim como favelas e ocupações precárias continuam a se formar, abrigando os mais pobres que seguem excluídos das políticas e financiamentos habitacionais.

Lindón e Mendoza (2015: 39) buscam captar essa heterogeneidade, chamando as periferias atuais de ‘alephianas’ (referindo-se à expressão apócrifa de Jorge Luís Borges) como “o lugar que contém todos os lugares”. Assim, se postula aqui, que as periferias também explicam o urbano como um todo, enquanto a heterogeneidade socioespacial das periferias parece ter se tornado um novo consenso entre os pesquisadores urbanos.

Porém, essa ênfase na heterogeneidade leva a certos riscos. Por exemplo, pode ter o efeito de escamotear a marginalização que boa parte da população periférica continua a enfrentar, e até de distrair da grande homogeneidade socioeconômica e racial dos bairros de elite, conforme argumenta D’Andrea (2021). Outrossim, o aparelhamento das periferias de infraestruturas importantes, equipamentos, serviços e políticas sociais de um lado, e alguma ascensão socioeconômica de parte de seus habitantes por outro, pode também esvaziar o debate político em prol das reivindicações por melhorias mais estruturais e perenes para o coletivo.

Além das transformações empíricas, um debate relacionado gira em torno de mudanças na forma de representar as periferias. Por muito tempo, sua marginalização coletiva em relação às áreas centrais de suas cidades não era apenas socioeconómica, mas também epistemológica: seus moradores eram considerados como objetos das pesquisas urbanas e não enquanto fonte de produção social, cultural, e política; e muito menos de teorização, sobre sua própria realidade social e urbana. Porém, nos últimos anos, o discurso em torno das periferias urbanas mudou muito, tanto dentro da universidade quanto na afirmação do orgulho periférico e na definição do que é a periferia por parte dos ‘sujeitos periféricos’ (D’Andrea, 2022).

Hoje, alguns propõem que o campo dos estudos urbanos (inclusive no Norte global e na anglosfera) tem “girado” à periferia (Ren, 2017). Keil (2017) argumenta que a expansão (sub)urbana inédita e variada das cidades, tanto no Norte quanto no Sul global, significa que é preciso repensar a teoria urbana “de fora para dentro”. Ren (2021), a partir do contexto asiático, afirma que um “giro periférico” já está em andamento, conforme os acadêmicos prestam mais atenção não apenas às periferias urbanas, mas também às “periferias da teoria” e as suas próprias práticas e metodologias na pesquisa urbana. De fato, perspectivas teóricas decoloniais e formas participativas e engajadas de pesquisa nunca foram tão proeminentes nos centros da produção do conhecimento urbano, pelo menos no plano discursivo. Porém, há motivos para questionar tanto o grau quanto a natureza desse “giro”, e seu potencial para realmente permitir as vozes das periferias a falar por si mesmas.

Nossa proposta neste Dossiê é interrogar e debater, tanto no Brasil quanto fora dele, as dimensões e os limites (1) da heterogeneidade das periferias urbanas e da validade da noção de “poli-periferia”; e (2) do “giro periférico” na pesquisa urbana. Convidamos submissões que articulem essas duas proposições de forma teórica e/ou empírica. No caso de contribuições empíricas, é essencial que os textos dialoguem com esses argumentos buscando apresentar achados amplos e que não sejam apenas casos de estudos realizados em áreas periféricas.

São propostos os seguintes eixos:

  1. Análise da heterogeneidade social e espacial dentro e entre periferias urbanas de forma quali ou quantitativa, sejam periferias da mesma cidade, sejam de diferentes cidades ou outras escalas (por exemplo, entre regiões metropolitanas e cidades médias, entre cidades de diferentes países, regiões fronteiriças e limítrofes, etc).
  2. Perspectiva histórica de alguma(s) periferia(s) urbana(s), mostrando como e porque se tornaram socioespacialmente mais heterogêneas e diversificadas, ou não, ao longo do tempo.
  3. Investigação do percurso intelectual sobre as periferias urbanas para analisar como a abordagem acadêmica sobre esses territórios evoluiu ou não.
  4. Diálogos com a teoria urbana atual em diferentes contextos e as diversas formas pelas quais constroem a periferia urbana.
  5. Análise de como os habitantes e sujeitos periféricos aderem à crescente heterogeneidade das periferias e/ou do giro às periferias e buscam produzir seu próprio conhecimento sobre elas.